Doem-me as palavras que ouço.
Doem-me as entranhas, arde-me o corpo por dentro…
Conheci uma donzela que se chamava “Alguém”
Tão alegre, tão bonita, tão sorridente também…
Via-a um dia. Cabisbaixa, tão triste que ela estava.
Fugira-lhe a alegria, como estava desolada.
Restou-lhe o amor por lá, mas doía.
- Quando foi?
-Foi outro dia.
E assim fiquei e pensei… “tiro-lhe a dor?”
Alguém deve ajudar “Alguém”.
- Onde está tua alegria?
- Levou-a ele também.
Rosto de traços lindos, e no cabelo linda trança.
Olhos sem cor, com mesclas de esperança.
Boca que apetece… Que vontade de a beijar.
Trocou sua alegria por concha de mão vazia.
Nela guardava a dor, cheia de água do mar…
Levei-a junto à janela, ver estrelas, o luar.
Se alguém visse ali “Alguém”, só a via a soluçar.
Dei-lhe a mão, beijei-lhe a fronte,
Fomos depois passear.
Mostrei-lhe as constelações,
As fases que a lua faz...
A dor passou, e o meu tempo!
Veio outro para a amar.
© Augusto Brilhante Ribeiro
- O que foi que me disseste?
- Que a vida se faz com trabalho.
- E a morte, de que se faz?
- És tolo. Perguntas coisas sem sentido. É preciso resignação.
- Para quê? É para ganhares o pão?
- Porque é que só falas? Melhor fora que fizesses.
- E faço. Faço a pensar, porque pensar é trabalho e causa dor no coração.
O final da corrida aproxima-se.
O cavalo respira ofegante.
As forças estão prestes a acabar.
O olhar turvo é marcante.
Está prestes a terminar.
É a meta, é o fim de tudo.
Chegou ao destino.
Repousa em sossego como um menino.
Adormece para sempre.
© Augusto Brilhante Ribeiro
No sonho latente e angustiante
Sentiu vontade de fugir
Sumir-se sem saber porquê
Deixar tudo o que fazia;
Ideias claras, objetivos
Rasgar com o passado
Esquecer o cadeado que o prendia
Desprender-se de velhos laços
Abrir o pensamento encarcerado
Olhar em frente, num só sentido
Resignar o presente com o vazio
O que é que fez?
Nem ele sabe
Confirmou ao ver-se
Estava algemado.
Ouviam-se vozes de comando; ordens curtas, deturpadas na linguagem, mas regidas no compasso.
Botas que nem metrónomos batiam no chão, ritmadas nas secas pancadas.
Meninas que não dominavam política eram elogiadas: pelos lavores; pelas rendas, bordados e lindas telas que gastaram tintas onde pacientes gestos de pincel marcavam desejos de paz.
No remetente das suas cartas de amor encorajavam ânimo, quando beijavam as flores que derramavam sangue dos espinhos que as rasgavam.
No fim, quando já não havia sementes acabou o que nunca devia ter iniciado.
Então, as delicadas agulhas e os finos pinceis deram lugar a rudes instrumentos, que fabricavam outros tantos iguais, num processo de clonagem.
Era o início do Verão. Os sinos tocaram alegria. Celebrou-se o fim, mas era o fim de algo que haveria de continuar por muito mais tempo; fome e solidão.
Mães e filhas esqueceram-se de ser mães de outros mais, que iriam bater com as botas no chão, ao compasso de sons, de palavras deturpadas na linguagem: “um, doi, erdo, eito...”
© Augusto Brilhante Ribeiro
Como sempre o fizera
Outra vez repetiu
Tirou toda a roupa
E assim se despiu
Por cima do sofá
Colocou-a na ordem
Como se despira…
Deixou-a por lá.
Deitou-se na cama
Estava muito calor
A cama rangeu
Com som do amor
Lembrou-se que foi
Que já o perdeu
Foi breve a presença
De fantasia vã
Não teve o encontro
Adormeceu…
Fugiu-lhe o real
Restou-lhe o sonho
Pela manhã
© Augusto Brilhante Ribeiro
«Gostava muito de ti
Mas não posso gostar mais
As mentiras que me pregas
São facadas são punhais.»
Foste sempre presunçosa
De nariz muito empinado
A mulher que prometeste
Empurraste-a pró lado
Não podia gostar mais
Por não ser correspondido
Se quiseres os meus sinais
Dá de volta o prometido
Inventaste acusações
Que tinha sido infiel
Eram só provocações
Só vinagre, muito fel
Resta o que já passou
Recordá-lo tal e qual
Não vale a pena tentar,
Jamais pode ser igual
O que sinto não confesso
Por tudo o que já passei
Lamentos que não mereço
Foi a ti que sempre amei
© Augusto Brilhante Ribeiro
Foi como se nada acontecesse
Sem alarido ou denúncia
Tudo e todos se mantiveram iguais
Não havia discórdia.
Era isso que lhe estava destinado
Toda a contestação terminava
Todo o rebelde eliminado.
Ordeiramente cumprem o destinado
Contestação terminada
Rebelde eliminado
© Augusto Brilhante Ribeiro
Por cima de cada telha
Outra telha deve estar
Uma porta bem aberta
Por onde devemos entrar
Um quarto para dormir
Uma sala de jantar
Na cozinha toda a louça
Uma banca prá lavar
Bem bonita que ela fica
Se cada parede pintar
Um jardim bem florido
Muita água pró regar
No laranjal vou colher
Laranjas para o jantar
Levo um cesto prás trazer
Uma escada prás apanhar
Se me faltar o pé
No galho vou-me agarrar
Até pareço o Tarzan
Pendurado a baloiçar
Todo o vizinho que a vir
Abre a boca de pasmar
Todo o invejoso vai querer
Sua casinha igualar
Tanta habitação se faz
Mais das vezes é um andar
Muitas são feitas depressa
Mas esta vai ser devagar
Agora que tenho uma casa
Que há muito andava a pensar
Vou nela passar a vida
Que me falta terminar
No verão depois de almoço
No alpendre vou ficar
Passarei por muitas brasas
Muitas vezes a sonhar
Atarei a corda à esteira
Nela me vou deitar
Não preciso de lençol
Fico de barriga pró ar
Vou dormir como criança
Com vento na cara a dar
Enxoto moscas com bufos
Assusto tudo a ressonar
© Augusto Brilhante Ribeiro
Um novelo se formou
Tanto fio emaranhado
Puxa aqui, estica além
Tanto nó que lhe foi dado
O melhor que ela fez
Na confusão pró soltar
Foi novo aperto no fio
Outro nó pra desatar!
Encontrou pequena ponta
Tão escondida que estava
Perdeu-a, já era gasta
De fina por tanto a usar
Apertos e mais apertos
Ao invés de o soltar
Jogou com ele no lixo…
Passou vida a lamentar
© Augusto Brilhante Ribeiro
De repente, sem que nada fizesse prever,
Ouviu-se o bater compassado,
Uma luz vermelha que fez tremer.
Um corpo deitado, um rio sugado
Corriam queimados pela alvorada
Cinza da vida depois devorada.
Instantes depois, nada restou
Feitas as contas pouco durou
Surgiu a paz…
No parto difícil saiu-lhe um rapaz
© Augusto Brilhante Ribeiro
Pelo eriçado
Não era de frio, de medo talvez.
O susto que tive
A fera a meu lado.
Batia com força
Latejos de sangue
Um coração velho
Cansado, coitado.
Rapidamente encheu-se a cabeça de pensamentos
Velhas questões
Velhos tormentos
Deixei de pensar
Sorriram-me os anjos
Crianças aladas
Que faziam ali? Todas deitadas!
Que fazia eu que já não o era?
Às perguntas que fiz, respostas não tive
Da fera a meu lado com pelo eriçado.
© Augusto Brilhante Ribeiro
Sobe, desce, não sabe o que quer.
─ Se maior fosse o dia…
─ Ai se fosse…
─ Tinha tempo para ti, mulher!
Rodopia e para. Vira-se para ela
Abrem-se os braços.
Sorriso matreiro de olhos em traço
Pisca-lhe o direito, aponta-lhe o local
Encolhendo ombros, ampara o desejo
Rompe com força a idade que tem
Reclina-a no leito
Beija-lhe a boca
Para no peito.
Segreda que a ama
Confirma na hora
Deitado na cama.
© Augusto Brilhante Ribeiro
Subia sozinha a calçada,
Olhar vago, pés que não sente.
Degraus contados, meia viagem
Ouviu crianças que brincavam,
Passou travessas e becos,
Sorveu perfumes, cores garridas,
Contrastes nas portas, janelas.
Deu bons dias, alguém nelas,
Sorrisos da vizinhança.
Falaram do que sabiam
Enlace de pouca esperança.
Adivinhava aventuras,
Subiu sozinha a calçada.
No tempo que o sol contara,
No dever que a esperava,
A lua tramou-lhe as voltas,
Subiu sozinha a calçada.
Desfez-se o tempo de vida
Na pergunta que lhe fez
Do ciúme recalcado
Desceu a calçada de vez.
© Augusto Brilhante Ribeiro
Quando a luz rompe a escuridão
Derruba mundos de solidão.
Quando o vento sopra
Leva sonhos de coração.
Sorrisos lindos,
Mãos que apertam,
Braços que se erguem na imensidão.
É o amor que desperta.
É o amor a causa da paixão.
Desabrocha a flor, o seu perfume,
Caem pétalas pelo chão.
© Augusto Brilhante Ribeiro
Ele disse que o tempo voava.
Ele disse que já não tinha tempo.
Levantou-se e gritou bem alto,
Porque o tempo não era só dele:
A todos fora dado um tempo.
Um tempo de estar,
Um tempo de dormir,
Um tempo de comer e depois partir;
Um tempo para ver o tempo passar.
Outro lhe disse que alguém atrasou o tempo.
Então quem o fez passaria a ficar sem tempo.
E disse ainda: - O tempo não é só teu!
Virou-lhe a cabeça.
Todos o viram.
Ficou sem tempo e depois morreu.
Depois eu disse baixinho:
- Também eu estou a ficar sem tempo.
© Augusto Brilhante Ribeiro
Um dia outro e mais outro
Igual ao que foi? Talvez.
Parecido com o que vem
Semelhante ao que virá
Sempre mais um cortês
Tem muita sorte
Bateram à porta
Não queria abrir
Falara-lhe a morte
Um dia vai tudo parar
Porque será? Que é que tem?
Se o dia deixar de vir
Também não vem
Quem era para ficar
Tem muita sorte
Bateram outra vez
Agarrou-lhe o braço
E foi desta vez
© Augusto Brilhante Ribeiro
Tanto mar, tanta luz, tanto sol
Vento que sopra, areia que voa
Pó que cega, pele que seca
Pensamento erguido
Passos esquecidos
O ser é saber do pulsar perdido
Tanto para dar
Mais que recebido
Estende a toalha
Deitada para o chão
Não é desistência
Faz dela um colchão
Tosta de um lado
Do outro também
Na cama que é rasa
Que é de ninguém
Fica com a pele
Parece uma brasa
O suor que sobra
Dissolve-se na água
Que fica salgada
Mais do que tem
Regressa outra vez
Besunta-lhe o corpo
Sem flacidez
Terminado o dia
A noite agitada
Na embriaguez
Da lua que é cheia
Que espera outra vez
© Augusto Brilhante Ribeiro
Serenamente. E não podia ser de outra maneira.
Repousaste. Fechaste os olhos para que não visse
As meninas dos teus olhos. Elas que se abriram,
Que se deixavam ver como eram.
Suspiraste. Oh! Como me deixaste.
Não foi assim todo o momento?
Ciúmes?
─ Do que era teu sem te pertencer.
Queixumes?
─ Do que nunca aconteceu.
Rancor?
─ Quando te dava a minha dor?
Falta de tempo?
─ Se nem da sobra aproveitaste…
Foi assim, uma vida que se perdeu.
Um permanente desencontro.
Um constante desatino com os pratos da balança.
Sem tento ficou o tempo. Sem esperança.
Mais fugidio e sem destino.
© Augusto Brilhante Ribeiro
Ai se eu pudesse apagar o choro provocado
Mudar o dia que te vi no calendário
Voltar a ter-te sempre a meu lado
Ai seu pudesse sonhar. Nem isso posso!
Sonhar os sonhos da tenra idade
Viver inocências da puberdade
Se te pudesse dizer o que sonhei
Um sonho de ternura, por ti cercado
Sem te fugir, ficar a teu lado
Ai se eu pudesse
Dava-te o amor que não tiveste
Prendia-me a ti, não te largava
Em troca do amor que prometeste
© Augusto Brilhante Ribeiro
A tua inusitada jactância
Prosternou-me pelo teu eufemismo
Estucho meu que me arrebataste
Perpetrada em réprobo sofismo
© Augusto Brilhante Ribeiro
Sorriso matreiro
Perna inquieta
Cabeça que roda
Destino certeiro
Olhar esquivo
Mirar furtuito
Um gesto de boca
Um queixo altivo
© Augusto Brilhante Ribeiro
Chove!
E que há para dizer?
Que já fazia falta?
Que não dava jeito ter chovido?
Que a perna que sempre dói, agora dói mais e é por causa da chuva?
Que as dores nas costas assim o avisaram?
Não!
Está um calor tórrido!
E que há para dizer?
Que o elevador não funciona?
Que é uma maçada subir a pé tantos degraus?
Que se ao menos houvesse um pouco de vento podia refrescar corpos suados?
Que é por causa da camada do ozono?
Não!
Há barulhos de cama a chiar!
E que há para dizer?
Que chove pra caraças?
E que agora está calor?
Não!
O que há para dizer é que:
A boazona do lado, sem pudor
Tem agora um novo amante
E o dia todo, sem parar
Só pensa em fazer amor.
© Augusto Brilhante Ribeiro
Ele disse que o tempo voava.
Ele disse que já não tinha tempo.
Levantou-se e gritou bem alto,
Porque o tempo não era só dele:
A todos fora dado um tempo.
Um tempo de estar,
Um tempo de dormir,
Um tempo de comer e depois partir;
Um tempo para ver o tempo passar.
Outro lhe disse que alguém atrasou o tempo.
Então quem o fez passaria a ficar sem tempo.
E disse ainda: - O tempo não é só teu!
Virou-lhe a cabeça.
Todos o viram.
Ficou sem tempo e depois morreu.
Depois eu disse baixinho:
- Também eu estou a ficar sem tempo.
© Augusto Brilhante Ribeiro
Perdido, procura e não acha
Vagas memórias, tristes passagens
Consolos de criança, batendo asas
Terra batida, rodada na lama
Balões de sabão, risos abertos
Olhos esbugalhados, olhar de esperança
Correm as pernas, coração não cansa
Sopro de vida, que espera tanto
Desafia tudo e nada alcança
Roleta russa, sente temor
Correm os anos, amadurece
Não reconhece o seu amor
Perde o que é seu, fica-lhe a dor
São palavras que me faltam
Gestos que me atormentam
Ideais que já não tenho
São vozes que não aguento
Pensamentos sem sustento
Conluio que já está gasto
Perdura somente o ato
Noutros tempos aclamado
Perdurado e reclamado
Já lá não vai com entrudo
Perdeu-se tempo demais
Morreu! Acabou tudo
O ouvido que não ouve
O braço que não levanta
A perna que não estica
Uma voz que já não canta
Dentes que não mastigam
O pente que não penteia
Gases que não controla
Qualquer coisa que rareia
O encontro que tivemos
Esfumou-se com o tempo
Nuvens que nascem e morrem
Farrapos de roupa usada
Foi o amor que quisemos
A paixão que deu em nada
Perdida a vontade de querer
Perdidos os sonhos, a ilusão
O pensar no amanhã
Restam-me as fantasias
O querer por não te ter
O sentido das orgias
Foram os dias mais longos da minha vida
Tive-te em mente o dia inteiro
Esqueci o que foi reprimido
Abraços por saudações
Visitas que não convidei
Beijos por emoções
Deleitei-me em sonhos
Estive contigo a meu lado
Encontrei o rumo certeiro
Sorriste, entreguei-me, acordei
Por fim fiquei só
Agora perdido no sonho acordado
Para além do Tejo
Fica a planura, o castanho
O amarelo e a verdura
Os montes de pouco tamanho
Tem gente que come sopa
De pão coentros e alho
Semeia cânticos duros
No compasso do trabalho
Reservada na ternura
Abre os braços com postura
Abriga a sede e a fome
Descansa, mas nunca dorme
Um dia mandaste o vento com queixas daquele tempo
Com amor e com certeza que agora já não há vento
Porque apenas aconteceu o final da abarregada,
O vento trouxe a tristeza
O vento levou a saudade
O tempo só para o vento se o vento parar no tempo
Agora me lembro, e que estúpido fui eu...
Agora me lembro que nem pintado de ouro me querias ver.
Agora reconheço que fiz figura de parvo...
Agora percebo como Adão teve de deixar o paraíso.
Agora, pois é, agora já deixei a minha marca e por ela hei de morrer.
Agora, jamais quero o que tanto desejei.
Agora, agora não quero, mas já nada há a fazer.
Agora?! E porquê insisto eu?
Para quê?
Como fui tão estúpido...
Que hei de fazer?
Como hei de desaparecer?
Já sei, fugir e não me dar a conhecer.
Ou talvez... Quem sabe?
Correr, correr até morrer...
É isso. É isso que tenho de fazer.
E depois? Será que não voltarei a viver?
Mas, vou morrer? E tem de ser?
Somente porque não consigo enlouquecer?
Não! Não! Isso não pode ser...
Fui enganado, vexado, espezinhado... Fui gozado.
Como é que me deixei ser domado?
Já sei, foi porque nunca fui amado...
Amado? E é possível que não tenha notado?
Não sei...
Fui enganado? Sim! Fui enganado.
E agora, bem, agora resta-me terminar com o que nunca começou.
Agora...
Agora procuro, rebusco, encontro e pum.
O silêncio invade-me a alma.
Não morro e fico danado.
© Augusto Brilhante Ribeiro
Os dias passam
O tempo corre e apaga do amor manchas indeléveis, esbatidas em velhos trapos
Nada mais resta que o crematório
Nem mesmo a cisma que o peditório rejuvenesce
Nem mesmo isso impede o tempo que adormece
Perdem-se palavras
Areia que nos escapa
Malha grossa que não filtra
Cimento que endurece
Aconteceu felicidade
O que é meu é teu
Agora acontece ruindade
O que é meu, sempre foi
Sabor amargo
Cheiros fétidos
Visões tenebrosas
Sonos mal principiados
O que é meu é meu, ouve o que digo
O que é teu, também
Digo eu, bem se vê; extorquido
© Augusto Brilhante Ribeiro
Estas rosas que te mando
É o amor que me brota
É a paixão que te tenho
Sentida no meu coração
Mais flores quero mandar-te
Mesmo sem consentimento
É que explode só de pensar-te
Minha alma, meu pensamento
Por tanto te querer amar
Rodo à volta da tua flor
Endoidece-me o perfume
Na procura do teu amor
© Augusto Brilhante Ribeiro
Na leveza do pensar
Sonho teu corpo amar
Que não me dás e desejo:
Nos braços do teu amor
Mergulhado no teu ventre
Fértil néctar saboreio
Como abelha ou beija-flor
No ensejo do meu jeito
No teu corpo perfumado
Descubro o amor que há
Na delícia do teu prado
Saciados os desejos
Explode-me o coração
Tantos amassos e beijos
Gritos e falas de tesão
© Augusto Brilhante Ribeiro
Sempre assim o quiseste
Pedi-te que não o fizesses
Tantas vezes remei contra a maré
Até que um dia, para sempre te afastaste
Fiquei longe de ti
Tantas vezes te procurei
Deixaste-me em desespero, sem rumo e desiludido
Nunca mais te encontrei, mas a chama arde;
Perdura ainda uma réstia do que te roubei:
A saudade do teu cheiro, que não o levaste
Quando o teu corpo amei
© Augusto Brilhante Ribeiro
Batem à porta. Estou sonolento
Quem lá bateu entra no sonho e inventa
És tu e sou eu
Batem à porta. Batem mais forte
Acordo a sonhar, tropeço e caio
Nem sei que fazer
Abro a porta e nada aparece
Volto a deitar-me, não quero acordar
Rezo uma prece e no sonho a sonhar ela aparece
O sonho comanda a vida.
O sentido é a razão
Do real é um sonho perdido.
Do pensar é confusão
Sonho na tua parte e fico a matutar:
Já me perdi.
Não tenho engenho, nem arte, já nem sei sair daqui
© Augusto Brilhante Ribeiro
Duas vozes, um quebrar
Silhueta a desfocar
Parede suja, dedos a estremecer
Fez-se silêncio de terror
Ouviram-se passos
Uma porta a fechar
Mãos finas, dedos longos
Nas teclas de um piano
Som cristalino, pancada forte
Ritmo curto, melodia grave
Sorri-te do canto e gingaste
Fingi como querubim
Querias o verso certo
Não o fizeste para mim
O olhar que me puseste
A saudade que ficou
A ternura que lhe deste
No canto por lá ficou
© Augusto Brilhante Ribeiro
Sopra a fúria o desdém
Arrasta o que nada tem
Vidas em solidão
Amores perdidos em vão
Na ternura que perdura
Sem queixas e sem perdão
Basta que o galo cante
Vem a saudade o encanto
Do raio verde e o sol nasce
Basta que haja um sinal
Uma palavra, a vontade
Fica melhor, quase igual
Se não, basta o que te peço
Basta de tudo, basta de ti
Basta que baste essa mentira
Basta o fim do teu entrudo
© Augusto Brilhante Ribeiro
Os dias passam sem deixarem boa lembrança
O tempo voa com asas de pensamento
Impaciência, prolongadora do tempo
Que me atormenta, que me rouba a esperança
Simples passagem, devaneios, laços tênues
Amizade de criança
Do amor que lá ficou
Velhas sombras de juras esquecidas
Restando a vida gravada num sobreiro
Que se esfumou
© Augusto Brilhante Ribeiro
Ah! Pablo como te entendo:
As palavras eram espadas. Abriam golpes
Em sonhos de corações maltratados
Nas fantasias de corpos espezinhados
Na alma de donzelas apaixonadas
Ah! Pablo, como te compreendo:
As lutas que tiveste
Os moinhos de vento que enfrentaste
Sem afago e entendimento desmedido
No vento que soprava traiçoeiro
Surgiu-te um Pança que foi o teu alívio
Veio trazer-te a bonança do carteiro
© Augusto Brilhante Ribeiro
Como crianças eu e tu… brincámos
Como crianças eu e tu… amámos
Desbravámos zonas proibidas
Descobri que eras diferente
Olhamos um para o outro
E ficámos frente a frente.
A aventura empolgou-me
Sorrimos. Houve consentimento
Notei que estavas feliz
Foi quando rompeu o desejo
Roçamos e rimos muito
O meu com o teu nariz
© Augusto Brilhante Ribeiro
Estas flores que te deixo
Queria ver-te a recebê-las
Queria entregá-las em mão
Queria sentir no teu peito
O pulsar do coração
Não me quiseste atender,
Mas eu vi-te à janela
Por detrás do cortinado.
Receaste o meu olhar…
Outra vez fui recusado.
Porquê tanto ódio assim?
Foi tão grave o que te fiz?
Dá-me um pouco de esperança
Deixa que me sinta feliz
© Augusto Brilhante Ribeiro
Por detrás de uma vidraça
Esconde o corpo que tem
Nunca lhe soube a graça
Não lhe conhece a fala
Mas ama-a como ninguém
É isso que o faz sofrer
Tê-la perto da janela
Quase lhe poder tocar
Sem nunca o poder fazer
Imaginar o corpo dela
Os olhos que ela tem
Imaginar sua boca
O que é tão bonito nela
Afinal quem será ela
Que se esconde com palavras
Escritas com a candura
Que o deixa em desespero
Por haver tanta ternura
© Augusto Brilhante Ribeiro
Sabia que um dia podia acontecer
Quis acreditar que nunca pudesse haver
Confrontação, discussão sobre temas fúteis
Ambição desmedida e disfarce
Quis acreditar que o interesse material era ilusão
Mas não!
Aconteceu…
Aconteceu e não foi preparado
Caiu a máscara. Terminou o entrudo
Surgiu o verdadeiro rosto, expressão
Caiu o pano, terminou o ato, a farsa
Há sempre alguém que aplaude
Depende da emoção
Não há bis nem flores caídas no chão
© Augusto Brilhante Ribeiro
Quando a mente não presta
O corpo que arrasta cede à vontade de outro
O sentido deixa de pesar
É confusa a situação
A lentidão passa a pressa
A vaidade ao desmazelo
Anda tudo em turbilhão
Come-se depressa
Corre-se na escuridão
Eliminam-se os fracos
Morre-se sem perdão
© Augusto Brilhante Ribeiro
Um passo de gigante, uma alegria.
Uma tristeza, um passo de anão.
Como é que o tempo pode ser medido,
Se cada sentimento tem seu padrão.
Dizeis que um gás ionizado se chama plasma.
Dizeis que essa coisa vem do Sol.
Passai a dizer algo mais que também nos pasme.
Passai a dizer donde vem o pensamento!
Será que também é do firmamento!?
© Augusto Brilhante Ribeiro
Minha vida é vida só!
Minha vida é sem pertença.
Se quiseres a minha vida,
Não lhe dês uma sentença.
Minha vida quer viver
Minha vida quer voar
Liberdade para morrer
Liberdade para amar.
Morreria de saudade
Se a vida não fosse ter
Quero ser teu, hoje, todo
Amanhã d’outra qualquer.
Durmo como um anjo
E acordo sempre queimado
Pelos desejos de um diabo
De tanto sonho sonhado.
© Augusto Brilhante Ribeiro
No espaço entre a alegria
E a certeza de ser feliz"
Fazes o que sempre fizeste
Que eu faço o que sempre quis.
Amar, amar perdidamente
É quando estou longe de ti.
É quando me dizes "não mereço"
Que mais te amo loucamente
Nos dias que fico ausente,
Meu coração bate forte,
Mas quando este dia chega
Fico louco; impaciente.
Quero falar-te, sentir-te,
Quero que me queiras só,
Para querer o que falta,
Que é dizer-te baixinho: “vóvó”
© Augusto Brilhante Ribeiro
Aquela flor que te dei
Ao teu peito foi parar
Quem me dera ser flor
Para nele te beijar
Neste balanço da vida
No vai e vem que ela faz
Ora vou à frente e te beijo
Ora largas-me e vou para trás.
O teu maior sentimento
Deixaste-o transvazar
O amor que tens lá dentro
Vai ser só para me amar
© Augusto Brilhante Ribeiro
Dois dias que fiquei ausente
Pulsou-me o coração de contente
Por saber que andaste a perguntar
Onde me poderias encontrar
Logo que vim deixei tudo
Os deveres, a obrigação e sobretudo
Fui ter com os amigos pra contar
Que queria contigo estar.
© Augusto Brilhante Ribeiro
Certo dia entrei num “post”
Onde havia lamentação.
Era uma história triste
De uma dama em crispe
Por causa de um “enrolão”
Achei que era meu dever
Mandar um palpite então.
Fiz abrir o comentário,
E minha Nossa Senhora,
Mas que grande confusão!
Todo mundo queria ele,
Todo mundo estava armado.
Para uns bastava a palavra
E outros já levavam faca,
Para matar o “enrolão”
Perante tal situação
Bem depressa fui embora.
Escrevi que fiquei triste
Por haver tanto lamento,
Por haver tanto “enrolão”
© Augusto Brilhante Ribeiro
O perfume fétido faz-me nojo
Do cadáver alvo e pincelado,
Com sangue negro de podridão,
De braços e cara para o lado.
Do machado hirto não se sabe a cor
Que a lâmina rompera e desventrara
Com golpes espichados em redor
Por qualquer pecado que a levou
Jaz maldito verme sejas tu!
Revolta-te no inferno pecaminoso
Mas dá-lhe paz àquela que foi donzela
E que o descanso seja nela jubiloso
© Augusto Brilhante Ribeiro
Há uns anos atrás surgiu a esfera rolante
Despejando tinta de um tubo adelgaçado
Para o passado ficava a pena de molha bico
E o pedaço de lousa afiado no granito.
Houve tempo que não era aceite a novidade.
Senhores das leis decidiram com banalidade:
Tal coisa não deve escrever em papel do Estado,
E muito menos em papel selado!
© Augusto Brilhante Ribeiro
A tortura de te ter tão perto
E nada haver entre nós…
A esperança de te amar
Sem te poder tocar…
A loucura desta paixão
Não me deixa pensar
Que me resta a solidão
A olhar o nada
Sentir a alma dilacerada
Na ilusão de te querer
De me perder de corpo e alma
No labirinto do amor
© Augusto Brilhante Ribeiro
De nada sabido se inventa história.
Dizer talvez, presume invenção.
Dizer a verdade pode não ser condição.
Dizer mentira, só convicção.
Uma história mal contada pode levar à traição.
Uma história bem contada pode levar à paixão
Depois de lidas e relidas estas frases no papel,
De uma coisa cheguei à conclusão.
Uma história bem contada,
Tenha ou não tenha fundamento,
Não passa de uma ilusão!
© Augusto Brilhante Ribeiro
Trouxe recordações
Deixei amores
Levei paixões.
Vim para ti
Juntar corações.
Cheguei!
Sinto uma saudade imensa
Tenho o coração rasgado.
Tenho uma vontade louca
De estar contigo a meu lado
© Augusto Brilhante Ribeiro
Um dia tem a vida se é vivida.
Num longo caminho de vida só.
Um dia a menos tem a vida de nada.
Num só curto dia de dó.
Almas tristes vagueiam por nada.
Alegres, também o fazem.
Sempre quisera a diferença.
Pra distinguir a presença.
De uma alma boa ou penada.
© Augusto Brilhante Ribeiro
Hoje vi o que não era de ver.
Não era, mas hoje vi!
Não era importante o que vi.
Não era, mas hoje vi!
Hoje não era dia de ver.
Não era, mas hoje vi,
Vi e nunca mais vou esquecer!
© Augusto Brilhante Ribeiro
Mais do que gesto é palavra dita, falada.
Mais do que olhar é gesto grande, rasgado.
Mais do que uma mão cheia de nada, é tudo.
Mais do que uma mão cheia de tudo, é nada.
Mais do que um gesto calado,
É alma livre de pensamento errado.
© Augusto Brilhante Ribeiro
Quando o coração sobrepõe o pensamento,
O pensar solta-se e obedece o querer.
A certeza encontra esquecimento.
O primórdio da vida é o saber.
E à mentira não resta que obedecer.
© Augusto Brilhante Ribeiro
Haverá coisa mais bela
Do que escrevermos com ela
A palavra mais singela
Que nos vem do coração?
Haverá mais encanto
Do que trazer ao peito
Desenhada com preceito
A flor da sedução?
Haverá outra maneira
Sem ser por brincadeira
De lhe chamarmos Cupido
Se a seta rasga em paixão?
© Augusto Brilhante Ribeiro
Que sabes tu o que é amar?
Que sabes tu o que é chorar?
Saberás o que é viver com nó na garganta a sufocar?
Que sabes tu o que é viver?
Sentir a alma morrer, quereres sem lá chegar…
Como podes falar de amor se numa lágrima derramada, de volta recebo nada?
Amor! Amor, amor...,
Que sabes tu o que é amar?
© Augusto Brilhante Ribeiro
Esta angústia que me faz pensar em ti,
Traz-me mal do ventre e da cabeça.
Não consigo dar de jeito e adormecer.
Não consigo dar repouso ao comer.
Quando durmo acordo pra te ver.
Já me culpo do que nunca fiz.
Quero partir mas ficar para saber.
Estou triste mas sou feliz.
© Augusto Brilhante Ribeiro
Quando é afirmado que a roda é quadrada
E um quadrado diz que é redondo
Estaremos, acreditai, porque é verdade
À beira da caos na nossa esfera.
© Augusto Brilhante Ribeiro
A memória do tempo que estive a teu lado
Traz-me um saudoso sentimento de viver.
Quero ser presente, apenas para que se estivesse
Estar presente e ser o que não quisesse,
Ser a vez; o faz de conta; o que devia ser.
© Augusto Brilhante Ribeiro
De quem é afinal este corpo que sustento!?
Da terra que é água e pó mineral?
E onde está, onde se guarda, aquilo que penso?
Na anti-matéria, algures no universo astral?
Como foi pequeno este corpo que viste nascer
Que o alimentaste para o veres crescer
Um dia, quando quiseres, há-de voltar a ser teu
Mas nesse dia só levarás pó e muita água
Porque a alma, o lembrar, o pensamento!
Isso não, não te pertence, é meu eternamente.
© Augusto Brilhante Ribeiro
Encontrei-te muito moça
Na linha d’água natura
Muito bela, pouco segura
Serviçal, muito imatura
Naquele tempo austero
Procuravas a ternura
O belo duma feiura
A luz na noite escura
Olhámos um para o outro
Cheirámos as feromonas
Os circuitos entenderam-se
E a chama da vida acendeu-se.
Para a grande decisão
Foi um vai que vai danado
No final da confusão
Terminou tudo cansado.
© Augusto Brilhante Ribeiro
Como é difícil ser poeta
Num dia de agitação
As palavras correm mal
É difícil a inspiração
No comboio foi uma aflição
As palavras que saíram
Foram como o ranger de ferros
Em constante fricção
Tric Trunc Trunc sss
E pouco mais se ouvia
O barulho ensurdecia
A vontade de escrever
E abafava esta paixão
© Augusto Brilhante Ribeiro
Tomara que venha Sol
Que aqueça a terra gelada!
Tomara que venha vento
Que seque a terra molhada!
Tomara que venha o dia
Que te tenha para sempre!
Tomara que seja mentira
O amor que tenho ausente!
© Augusto Brilhante Ribeiro
Chuva, vento e trovoada
O relógio bate as horas
São cinco da madrugada
Um relâmpago, um clarão
Deixa rostos de fantasmas
Em paredes humedecidas
Batem portas e o portão
No rego forma-se um rio
Com lama de aluvião
Crepita a brasa que aquece
Um velho em solidão
Sentado esfrega as mãos
A vida já lhe tirou
Muitos anos de ilusão
Rareia a luz que ilumina
Na boca só tem amargo
Do centeio que fez o pão
© Augusto Brilhante Ribeiro
A tortura das palavras
Que ouço diariamente
Não são mais do que pedradas
Que me atormentam a mente
A tortura dos teus passos
Num frenesim estridente
São como balas que explodem
Na minha cabeça doente
A tortura do teu olhar
Faz meu corpo vacilar
Faz-me pensar em te ter
Mas antes prefiro morrer
Do que a tortura de me ver
Aos teus pés ajoelhar
© Augusto Brilhante Ribeiro
Hoje, um dia a mais vi passar, desesperado.
O corre, corre, o sempre apressado.
Fui para trás, olhei, mas nada vi.
Voltei pra frente, vi mas não olhei.
Fique parado à procura do tempo não acabado.
Quando dei conta vi que afinal nada apetece,
Porque quem não olha, o que vê, desaparece!
© Augusto Brilhante Ribeiro
Andei no teu caminho perdido
Segui teus passos, tuas palavras
Juntei-me a ti e pequei
Por amar amor proibido
Deste-te lentamente
Com ternura, com paixão
Saboreei-te com prazer
Amei-te perdidamente
Aos poucos senti-me teu
Em dias de loucas paixões
Procurei-te tantas vezes
No leito que não era meu
Sem te ter eternamente
Passaram-se os dias, os anos
À noite dormia só
Faltava-me o corpo quente
Não sei o que é que te deu
Largaste-me repentinamente
Trocaste o amor que te dava
Por outro que vinha do Céu
Resta-me olhar para trás
Recordar-te quando menina
Elegante bailarina, e eu
Aquele rapaz
© Augusto Brilhante Ribeiro
Cai a pena no tinteiro
Molha o bico afiado
Traz a tinta, escorre a pinga
Faz rabisco o dia inteiro
Faz escrita de primeira
De terceira, quarta ou quinta
Faz recados no papel
Balancetes de fiel
Escreve palavras de amor
Caligrafia de encanto
E outras que é um horror
Se molha o bico estragado
Esborra tinta pró lado
Deita talco para secar
E mata-borrão para acabar
© Augusto Brilhante Ribeiro
Onde me perdi no teu regaço
E me fizeste sonhar o amor…
Que me invades os sonhos
Com pesadelos sem cor…
Que te sumiste pela multidão
E não me deixaste um perdão…
Que me tormentas os dias
Desta minha solidão…
Onde estás tu, mulher?
© Augusto Brilhante Ribeiro
Dos olhos caíram lágrimas
Cerrados os dentes
Boca mordente
Olhos pedintes
Um rosto em sofrimento
Mergulhou os dedos
As unhas de mãos rijas
Encrespadas
Largou-as em suplício
Pediu a morte em pensamento
Porém, só, ouviu lamento
Era sua a vida, mas perdia-a
Chegara o momento
© Augusto Brilhante Ribeiro
De longe tão densos que já tapam
Como sombras de nuvens a correr
Gafanhotos famintos vão devorando
O que os pobres tinham para comer
De seguida, depois de nada haver
Lançam-se em magotes pelo ar
Voltam a zumbir até morrer
Ficando a destruição a encenar
Deixam resquícios de prazer
Restos de ceara pelo solo
Fome e miséria de se ver
Que ao poeta servirá de consolo
A criança não sabe a cor da fome
Seus pais que agora nada têm
Dão-lhe o que já ninguém come
Que a fome será seu entretém
© Augusto Brilhante Ribeiro
Virado do avesso
Espremido o limão
Para começo
Abriu o caixão
Virou-se de lado
Olhou-o de frente
Comeu um bocado
Foi pouco mas rente
Tirou pra provar
Cortou com cuidado
Não era pra dar
Ficara guardado
A mosca que voa
Perdida no ar
Aterra que é boa
Que anda a cheirar
Com a palma da mão
Enxota a maldita
A outra com pão
Caiu na sanita
Asneiras a rodo
Era um desatino
Parecia de todo
Ficar sem o tino
© Augusto Brilhante Ribeiro
Ai se eu pudesse
Voltar a ter-te
Acariciar-te
Pousar de leve no teu peito
Beijar-te a boca
Beijar-te a pele
Fechar-te os olhos
Sussurrar-te palavras moucas
Ai se eu pudesse
Sentir-te o corpo
O peso dele
Rebolar com ele e ficar louco
Ai se eu pudesse
Se eu te visse
Diria mais do que te disse
Palavras que jamais chegaram e
Que os poetas sempre rimaram
© Augusto Brilhante Ribeiro
A ânsia de querer olhar
O sinal que te deixei
Fez de mim um moribundo
Vagueando pelo Mundo
Na mira de te encontrar
Tenho comigo a tristeza
Da pouca delicadeza
Quando te tive comigo
Na postura e no falar
Em linguagem de amigo
Com gestos de perdoar
Quero contigo estar
Ouvir as nossas canções
Passear pelas colinas
Abrirmos os corações
© Augusto Brilhante Ribeiro
Deixaste um pedaço de ti
Esparramado no chão
Levaste um pedaço de mim
Acendeste-me a paixão
Mordi lábio à despedida
Fiz reza, uma oração
Espero que voltes um dia
Rezo por essa condição
Ainda hoje estou aguardando
Que me voltes a visitar
Fico à espera a noite toda
Que me queiras ainda amar
Choro, angustia, saudade
Se o vento pudesse levar
Se te pudesse trazer
Bom era poder-te amar
Nada mais seria igual
Tudo teria perdão
Palavras doces e amor
Palavras do coração
© Augusto Brilhante Ribeiro
O recado que me mandaste
Li-o com muita atenção
Fiquei triste com o que disseste
Zangado, pois não perdoaste
Fizeste-o com intenção
Deixaste-me sem te ver
Sem permissão, abandonado
Um farrapo, mal tratado
Depois de tanto perdão
As cartas que te escrevi
Levou-as soprado vento
Contava-te o meu tormento
Porque nunca mais te vi
Deu-me uma saudade imensa
Do tempo que te queria ter.
Agora com a tua indiferença
Já não sei mais que fazer
Uma noite chorei e bebi,
Mas depois de acordar
Senti que podia amar
Outra mulher sem ti
© Augusto Brilhante Ribeiro
A Lua que gira à nossa volta
A terra que gira à volta do Sol
O Sol que gira à volta de outros mais
Fez-te girar. Girar neste tormento:
Que é afinal o pensamento
No sentido que te levam as palavras
Nos gestos que te fazem pensar nelas
Esqueces o que sempre te ensinaram
E perdes-te na ilusão de sonhar alto
Era minguante, mas esperançado
Quando surgiu a lua nova desse lado
Quando chegou a lua cheia luminosa
E nos viu de amores lado a lado
© Augusto Brilhante Ribeiro
São dois amores que disputo,
Duas odes quero cantar
O Douro, tenho-o comigo,
O Alentejo faz-me pensar
Deleito-me com belos sons,
Com encantos que me dão
Nas suaves melodias
Das suas ondas do mar
Um tem serras e montes
E rios a transbordar
Outro, planícies sem conta
E moleza no falar
Um a sul, quente demais,
Outro frio de gelar
O Alentejo com paixão
E o Douro de encantar
© Augusto Brilhante Ribeiro
Fiquei sem saber o que dizer.
Em menos de um fósforo regressei à infância.
Quis-me esconder como uma criança.
Ficar envolto num abraço maternal, sentir-me seguro,
Poder esquecer que me pudesses fazer mal,
Acreditar que tudo não passava de um sonho.
Porém, roía-me por dentro,
Tinha de te responder,
Tinha de falar,
Dizer-te com frontalidade, olhos nos olhos;
Que amar não é só presença.
Amar é pensar em ti de noite, de manhã, à tarde
Querer o melhor da vida para contigo partilhar.
© Augusto Brilhante Ribeiro
Sobre o nada já muito se disse
Sem nunca se dizer nada.
O teu nada com o meu, nada deu.
Dou-te nada em troca de nada.
E agora pergunto eu:
Se já não tinhas nada,
Afinal quem é que perdeu?
© Augusto Brilhante Ribeiro
Deixei-me embalar…
As palavras diziam nada
O compasso estava certo
Era música que cantava
Deixei-me sonhar…
Nas fantasias sonhadas
Ecos pelas montanhas
Nas notas que entoavas
Deixei-me acordar…
Eram os nossos desejos
Lábios que escaldavam
Leves toques de beijos
© Augusto Brilhante Ribeiro
Quero ver o mar,
De pé, deitado ou de pernas para o ar,
Quero ver o mar,
De longe, de perto, ao Sol, ao Luar,
Quero ver o mar,
O pequeno, o grande, o imenso mar
E areia com crianças a rebolar.
Pronto, já disse! Quero ver o mar.
© Augusto Brilhante Ribeiro
Parece que finalmente
Poderei mesmo concluir
Que tudo acabou entre nós,
Que desta foi para sempre
Durante este tempo todo
Perdi-me de amores contigo;
Só vivo a pensar em ti.
Fui iludido. Sou um tolo
Não! Não consigo entender
Se eu nem te queria ter,
Apenas de ti receber
Mimos de enternecer.
Que é feito? Que achais
Daquela amizade que nos uniu?
Que é feito dos carinhos
Que enchiam os postais?
Fazes as pazes comigo?
Devolveste-me o silêncio.
Mesmo assim amo-te muito,
Mesmo com tudo perdido
© Augusto Brilhante Ribeiro
O teu ciúme agonia-me
Perco vontade de viver
Sabendo que pensas em ti
Estando eu prestes a morrer
Tão louco foi esse amor
De profundo enternecer
Como ousaste criar dúvida?
Dizer fui; sem nunca o ser
A penumbra da agonia
Que o tempo já não me cobra
O consentimento da vida
Pouco importa se já sobra
Quadras que rimam sem nexo
Palavras de pouco sentido
Frases soltas que se perdem
Na memória de não ter sido
A incerteza nos dias
Angústia, fúria talvez
Tudo fizeste na vida
Para acabar de vez
Vem, lua nova vem
Apaga a luz que me resta
Traz-me o amor de além
Que este, já vi, não presta
© Augusto Brilhante Ribeiro
Oh! Que imagem, que cor…
Esse lugar onde a luz que sobrava fazia reflexos.
Não havia dor, frio calor ou míngua de amor…
Foi assim que a vi, iluminada, posta de lado.
Com aquela luz que me penetrava o corpo.
Com aquele sorriso que me dava tudo a troco de nada…
Oh! Que imagem, sei-a de cor…
Quando a tarde adormecia, o sol, mal posto ainda a via.
O vento batia-lhe no rosto com lufadas breves.
Porém, numa sina de tristeza ficou envolta pela escuridão.
Foi então que acompanhou a natureza, deixando-me a solidão.
© Augusto Brilhante Ribeiro
Donzela de corpo e alma
Já sabe do que é capaz
No espelho fita com calma
No vestir é bem audaz
Corpo magro e esticado
Cabelo ruivo a esvoaçar
Passo largo e ritmado
Vai prá rua passear
A inveja que ela faz
À velha lá na calçada
Dá gozo ao velho sagaz
Ver-lhe a saia arregaçada
Espreitam prá ver de frente
Olham prá ver de trás
Suspiram desejos de mente
Que o corpo já nada faz
© Augusto Brilhante Ribeiro
Sonhos. É tudo sonhos, é tudo ilusão.
A minha fantasia, este querer, esta vontade:
Ter asas para voar.
Um dia ter-te, subir no ar para te amar.
Sonhos. Sonhar os sonhos e acordar só, sem te tocar.
É uma loucura.
É tudo sonhos.
A minha alegria é sonhar-te em fantasia.
Sonhos. É tudo sonhos. Ver-te tão triste morrer em sonhos.
Acordar no sonho e querer continuar.
Sonhos. É tudo sonhos viver no sonho de te amar
Sonhos. É tudo sonhos.
Ter-te p'ra mim, sonhar sem sonho
Querer por fim sonhar amar-te sem sonhar
Sonhos. É tudo sonhos...
© Augusto Brilhante Ribeiro
Um sorriso de criança
Um pedir tudo do mundo
Inocência, breve lembrança
Um tesouro na sacola
Carregado de esperança
Um dia pôs a cartola
Um riso com alegria
Com gargalhada franca
Matreiro no outro dia
Que mata, mas não espanca
Como cresceu o rapaz…
Que homem se fez depressa.
Vai ser um doutor de paz
Chamado juiz, ora essa!
Na luta do dia-a-dia
Encontrou a bela Inês.
O amor que ele pedia
Nunca ela o satisfez.
Encontrou a bela Aurora
O mesmo a ele lhe fez.
Trocou-a por uma Isaura
Perdendo-a no mesmo mês.
© Augusto Brilhante Ribeiro
Vi-te um dia a passear
Abraçada pelo teu amor
Deixei-me por ali a olhar
Sentado a sofrer a dor
Quando já ias distante
Que já não pudesses ver
Meu coração galopante
Deu vontade de correr
Atravessei-me no caminho
Pus-me perto para te ver
Olhaste-me com carinho
Quis nesse instante querer
Ser aquele que te abraça
Sonhar-te a cada momento
Ter comigo a tua graça
Partilha do sentimento
Voltei para a realidade
Forcei sonhos de paixão
Perdi a noção da idade
Fechei-me na vã ilusão
© Augusto Brilhante Ribeiro
O teu sorriso, o teu andar
Que coisa linda, fico a pensar
Procuro-te longe, perto também
Quero-te sempre no meu coração
Olhar bonito, bonito de olhar
Corpo tão belo, que faz ofuscar
Outra mulher mais linda assim
Está p’ra nascer outra paixão
Minha promessa fica sem paga
Se eu te perco fico sem garra
O amor que tenho por ti me cega
Deixas-me preso nesta ilusão
© Augusto Brilhante Ribeiro
Quando o som do sino toca
Só penso que são as horas
Do tempo que ainda falta
Para tocarem por mim
Quando o som do sino toca
Já outros sinos tocaram:
Quando dei nome à mulher
Quando lhes dei baptismo
Quando o som do sino toca
Dá-me saudade e tristeza
Faz-me lembrar que já foi
Quem me deu um dia ser
Quando o som do sino toca
Ouço sempre em desatino
Que por tanto querer viver
Já não ouço o som do sino
© Augusto Brilhante Ribeiro
Uma voz que a chama
Um sinal que lhe perdoa
Um olhar que a prende
A fala que atordoa
Um ser que acaba de ser
Que ainda não tem alma
Traz um sorriso na mãe
Num dia de muita calma
O Outono logo vem
O Inverno está a chegar
A Primavera rebenta
P’ra começar a chorar
Dois braços que a seguram
Quatro que a sustentam
Depressa se faz mulher
E nela outras rebentam
© Augusto Brilhante Ribeiro
Sorriso, eu quero um sorriso
Porque não consigo.
Com lábios caídos, sobrolho arqueado,
O meu sorriso é mal humorado.
Nem posso sequer deitar olho pró lado.
Sorriso faz-me sorrir.
Quero gargalhar, olhar sem pecar, troçar e brincar.
Sorriso, eu quero um sorriso
Singelo é o pedido que eu te faço.
Só basta que faças aquele traço.
Sorriso, eu quero um sorriso
Por que me amargas este semblante.
Sorriso, eu quero um sorriso
Quero sorrir o sorriso dantes
Quero só rir…
Mostrar para o mundo;
Como te era e te sorria antes
© Augusto Brilhante Ribeiro
A festa era nossa
Era sempre andar
Caíste p’ro lado
Puxei-te pela mão
Quiseste descer
Abracei-te então
Quiseste-me o corpo
A rodopiar
Quiseste ser minha
Para eu te amar
De corpo suado
De lábios rasgados
Fizemos amor,
Embriagados
Depois me disseste:
Carnaval é festa!
E... porquê esta?
Esta? Não presta
Quero-te séria
Quero-te a sentir
Amar-te sem máscara
E no fim sorrir.
© Augusto Brilhante Ribeiro